Estado Online faz entrevista com o Presidente do FNCP

Edson Vismona, que também preside o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), falou com exclusividade para o portal. Na reportagem, ele fala sobre o aumento nos números do comércio ilegal no Brasil, e em Mato Grosso do Sul, onde oito a nove cigarros vendidos são do contrabando.

O Estado: O último levantamento do Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), aponta que o Brasil perde, em cada ano, R$ 291,4 bilhões devido as atividades de contrabando. Por que, ainda no Brasil, o combate a esse crime não é visto como solução para se trazer novos recursos a áreas como Saúde e Educação?
Vismona: Na verdade, com o levantamento junto aos setores produtivos que o FNCP faz desde 2014 ficou mais claro o montante do prejuízo que o Brasil sofre com o mercado ilegal. Antes não havia essa demonstração e ficávamos sem parâmetros sobre a dimensão das perdas. A ideia é despertar na sociedade e no poder público a importância de se combater o mercado ilegal, defendendo o legal que é quem investe, gera empregos e desenvolvimento. No ilegal quem ganha é o criminoso que obtém vantagens sem qualquer preocupação com o consumidor, respeito aos direitos e à lei, se apropria do que é do outro para alcançar lucros fáceis. Temos conseguido um maior nível de conscientização, mas claro que ainda há quem pense que ao comprar um produto ilegal está levando vantagem, mas fica cada vez mais evidente que essa é uma ideia longe da verdade, compra um produto que não funciona, ou pior afeta sua saúde. É o famoso “barato que sai caro”. Alguns exemplos: cigarro do crime não atende as determinações da ANVISA, o fumante não sabe o q está fumando; baterias e carregadores de celulares que explodem por não respeitarem as normas da ANATEL; brinquedos que podem lesar e até matar um criança por soltarem peças e não serem certificados pelo INMETRO; cosméticos e perfumes que causam sérios danos à pele por não atenderem os parâmetros da ANVISA. Enfim, são inúmeros os exemplos de danos que são causados pelos produtos ilegais. Resta à sociedade ter a consciência de não comprar e ao poder público a ação de combater a oferta. Portanto, com o conhecimento das perdas não só financeiras, mas também para a saúde poderemos avançar no combate às práticas criminosas que o mercado ilegal representa.

O Estado: Estimativa da Aliança Latino Americana de Contrabando (ALAC), diz que o mercado ilegal corresponde a pelo menos 2% do PIB dos países latino-americanos, um percentual que pode inclusive ser ainda maior. Estando tão bem estabelecido e enraizado nas comunidades, como combater essa vertente, que por sua vez, é fundamental para que exista tanto contrabando?
Vismona: No Brasil esse último quadro apresentado pelo FNCP aponta que em 2019, 7,85% do PIB foi movimentado pelo mercado ilegal, quase quatro vezes a média da América Latina. Claro que sendo o Brasil o maior mercado esse número seria elevado, mas superou qualquer parâmetro. Esse combate é necessário, pois estão sendo sugados recursos que poderiam estar movimentando o mercado legal, gerando empregos e renda. O comércio, a indústria, os serviços e o erário, estão perdendo bilhões para o ilegal. Assim, esse fenômeno da economia do crime deve ser enfrentado combatendo as duas faces de uma relação econômica: a oferta e a demanda. A primeira com repressão, desde as nossas fronteiras até as nossas cidades, diminuindo o espaço da atuação das organizações criminosas que operam esse mercado. A segunda com a conscientização dos consumidores para que avalie que não é ele que está ganhando, mas sim o crime. Nesse aspecto cabe ressaltar o que chamo de “incoerência ética”, o cidadão reclama da falta de segurança pública, mas, ao comprar um produto ilegal, especialmente o cigarro do crime, está dando dinheiro para verdadeiras organizações criminosas que são financiadas e se fortalecem, revertendo esses recursos para a compra de armas, munição, drogas, ou seja afrontando a segurança pública. Assim reclama da criminalidade, mas financia os criminosos.

O Estado: O cigarro é o produto mais afetado pelo contrabando segundo os estudos. Por qual motivo isso ocorre? É relacionado à carga tributária incidida nesse item, ou tem alguma outra razão?
Vismona: Com certeza a carga tributária tem direta relação com o crescimento do contrabando de cigarros que já lidera o mercado brasileiro com participação de 57%. O preço final é decisivo nessa equação. O cigarro do crime é fabricado no Paraguai e paga 18% de impostos, o fabricado no Brasil, de 70 a 90%, dependendo do ICMS, logo fica evidente que o ilegal, que não paga impostos no Brasil tem uma enorme vantagem no preço final, com margens de lucro muito maiores quando comparado ao brasileiro. No Brasil, o preço mínimo é R$ 5,00 – é proibido por lei vender abaixo desse valor. O cigarro do crime, em média é R$ 3,00. Essa brutal diferença incentiva a venda do contrabando e do ilegal fabricado no Brasil, que também não paga imposto e falsifica as marcas líderes, que são as paraguaias. Essas são as duas frentes combater o contrabando e o ilegal produzido no Brasil.

O Estado: O combate ao vício do cigarro, aliado a políticas mais efetivas de fiscalização de fronteira, poderiam ser decisivas nesse cenário, entretanto são duas coisas que não acontecem com a eficácia esperada. São ações que tem avançado nos últimos anos, de acordo com a FNCP?
Vismona: A política antitabagista tem como pilar aumentar o preço do cigarro para desestimular o consumo. O valor mais alto é obtido com impostos elevados que incidem no preço final. Essa lógica não tem mais qualquer efeito no Brasil. Quem domina o mercado brasileiro é o contrabando que não paga qualquer imposto. O contrabando ignora qualquer política antitabagista, aliás, é um aliado, pois o aumento de impostos representa o aumento da competividade do cigarro do crime. Essa obviedade foi demonstrada em uma campanha que o FNCP lançou em 2015: “O imposto cresce, o crime agradece”. Aumentar impostos significa entregar de vez o mercado brasileiro para as organizações criminosas que serão cada vez mais fortalecidas com os bilionários recursos que são movimentados na ilegalidade. A política antitabagista fundamentada no aumento de impostos faliu e só interessa a quem opera o crime.

O Estado: Em Mato Grosso do Sul, 9 em cada dez pacotes de cigarro que são vendidos, vem do contrabando, aponta pesquisa do Ibope Inteligência. Até que ponto a falta de uma cooperação mais organizada dos setores de segurança do Brasil e Paraguai tem influência nisso?
Vismona: No Mato Grosso do Sul, o fumante que quiser fumar um cigarro legal tem que se esforçar para encontrar. Isso é inaceitável. Como um estado fronteiriço e estratégico a política de segurança na fronteira é essencial. Felizmente o governo federal compreendeu essa necessidade e vem desenvolvendo ações permanentes e coordenadas na fronteira. O Ministério de Justiça e Segurança Pública pela Secretaria de Operações Integradas com as ações da Coordenação Geral de Fronteiras realiza as operações VIGIA e HORUS, integrando as polícias federal e rodoviária federal com as estaduais, com isso recordes de apreensões vem sendo batidos. Ressalto também a instituição no final do ano passado do Centro Integrado de Operações de Fronteira – CIOF em Foz do Iguaçu. Esse é o caminho, operações permanentes, integrando e coordenando esforços e a aproximação com o governo do Paraguai deve integrar esse esforço. O problema é comum, Brasil e Paraguai estão sendo ameaçados pela atuação das organizações criminosas na fronteira, afetando diretamente os estados fronteiriços como Mato Grosso do Sul. Temos que investir recursos econômicos, tecnológicos e humanos nessas ações.

O Estado: Por ser mais barato, com a grave crise econômica que tem afetado o Brasil nos últimos anos, o cigarro contrabandeado, bem como outros produtos, que são dessa origem, passam a ser mais ‘convenientes’ ao mercado, no caso o informal, e a consumidores. Como fazer para que o cidadão também atue nessa guerra contra o crime organizado, que se financia por meio desse comércio ilegal?
Vismona: Como já disse anteriormente, o consumidor não deve comprar cigarro contrabandeado ou qualquer produto ilegal. Quem perde é ele que terá a sua saúde prejudicada e estará financiando o crime. Essa é verdade: Reclama da falta de segurança e estimula a ação dos criminosos comprando produtos ilegais. A coerência deve ser praticada.

O Estado: Em que escala a reforma tributária poderia ser importante para que esses números do contrabando no Brasil pudessem ter uma retração no futuro próximo?
Vismona: Qualquer que seja a reforma tributária que venha a ser aprovada não pode ter como proposta o aumento de impostos. A carga tributária no Brasil já atingiu 35% do PIB. A sociedade, o cidadão, as empresas não suportam um Estado pesado que não entrega serviços adequados, especialmente setores como o de tabaco e combustíveis, que já arcam com os impostos mais elevados do país, não suportariam qualquer aumento de imposto. Nas conclusões do Grupo de Trabalho criado pelo Ministro Moro no ano passado para avaliar soluções para o combate ao contrabando de cigarros, foi apontada a necessidade de se avaliar a questão tributária como meio para a diminuição das enormes vantagens criadas pela evasão fiscal, procurando uma equalização na cadeia produtiva brasileira.

O Estado: Embora prejudique cerca de 15 setores da indústria brasileira, o contrabando tem crescido nos últimos anos, conforme denuncia a FNCP, prejudicando assim a geração de empregos formais, transferência de renda em postos de trabalho e perspectiva de crescimento da economia. Falta ainda o Governo ver e enfrentar o problema de forma integrada, já que ele não consiste apenas em um viés da pasta de segurança?
Vismona: No Conselho Nacional de Combate ao Contrabando – CNCP do Ministério da Justiça e Segurança Pública participam diversos organismos da administração federal e setores produtivos discutindo propostas para viabilizar ações integradas de combate ao mercado ilegal e defesa da legalidade. Há a necessidade de manter os recursos orçamentários para os órgãos que atuam nesse âmbito. Receita Federal, Policia Rodoviária Federal, Polícia Federal, agências reguladoras como ANVISA, ANATEL, ANCINE, INMETRO, não podem ter seus recursos contingenciados. Essa integração, que vem sendo estimulada não terá resultados se não houver o suporte orçamentário. Como demonstrado, as perdas causadas pelo mercado ilegal justificam a necessidade de termos investimentos nas operações de combate como HORUS e VIGIA que são largamente pagas com o valor das apreensões. Só no primeiro trimestre as operações de fronteira causaram prejuízos para o crime de R$ 296 milhões e evitaram perdas para o erário de R$ 42 milhões. Essa é a demonstração do caminho que deve ser seguido.

(Texto: Danilo Galvão)

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