Entrevista da semana é com prefeito Derlei Delevatti

Gestor de Porto Murtinho fala sobre gestão em momento especial de Porto Murtinho

O Estado – Porto Murtinho corre contra o tempo para se organizar para um “novo momento” em que a Rota Bioceânica colocará o município como um essencial ponto de logística na América do Sul. E, justamente nesse cenário, recentemente uma barreira de contenção apresentou problemas, que expuseram a fragilidade do municípío em investir na própria infraestrutura. Como a gestão pública local lidou com esse contrassenso?
Delevatti – É importante lembrar que a barreira de contenção foi construída para que a água do Rio Paraguai não chegue até o dique. Isso faz uns dez anos, e, desde então, o rio baixou, trabalhando com isso, no pé das estacas da barreira de contenção, o que gerou assoreamento nessa estrutura das placas. Essa situação gerou um desmoronamento de 15 a 20 metros de largura, com as placas cedendo. E não é tão grave o problema, porque o rio está em um nível que há 25 anos não ficava, porque, se fosse o contrário, seria muito pior. Caso fosse como no ano passado, em que tivemos fortes chuvas na região, certamente a água, em níveis maiores, pioraria muito mais a extensão desse prejuízo. Se fosse algum dano estrutural no dique, a complexidade, o custo e o risco à cidade seriam outros, pois o dique, sim, é a parte da segurança de Porto Murtinho quanto a enchentes. A barreira de contenção é uma obra feita pelo governo do Estado, e o dique é uma obra do governo federal. Quando ocorre uma situação assim, seja em uma coisa ou na outra, temos de recorrer a eles, pois não temos gente capacitada no nosso quadro para avaliar com precisão o problema, e muito menos para executar o reparo. Por isso, ao identificar o estrago, chamamos a Defesa Civil de Mato Grosso do Sul para que após análise se tomasse providências rápidas. De antemão, o governador acionou os trâmites, foi feito o levantamento, elaborado o projeto, e feito o pedido para a liberação de recursos. O alerta para que a vistoria acontecesse não vem apenas de 2019. Desde 2017 já vínhamos solicitando isso.

Crédito: Divulgação

O Estado – Fora a questão das chuvas, bem lembrada pelo senhor, esse problema também deve ser influenciado de alguma forma pelo maior fluxo de navegação no trecho do Rio Paraguai que atravessa o município?
Delevatti – Sim, e muito! Com a maior movimentação de barcaças hoje, aumenta também a quantidade de ondas no rio, o que, por sua, vez aumenta o nível dele, em alguns lugares. Testa mais a estrutura quanto a erosão. Por isso esse ajuste a ser realizado não é apenas paliativo. Deve-se levar em consideração a realidade futura de Porto Murtinho, quando se terá portos operando de maneira intensa. Aí eu deixo a pergunta: E a nossa malha viária? Já tem aumentado, e deve crescer ainda mais o fluxo de caminhões nas nossas ruas, de carros, com mais visitas de turistas, então a gente precisa arrumar agora, porque depois haverá um cenário em que intervir será mais complicado. Porto Murtinho viveu durante 106 anos isolado, e aos 110 anos, quando a ponte já deve ser entregue, estará sob os olhos da América, descoberto para a logística, para o turismo e para diversificar a sua economia. Porém tudo passa pela infraestrutura, não só das obras da ponte, ou dos portos da nossa região. Deve-se pensar em tudo, e isso, inclusive, faz com que a minha gestão na prefeitura seja eminentemente técnica. Com tanta pressa, com tanta pressão do progresso, não sobra muito espaço para a política. A cidade que teremos para daqui a cinco anos é totalmente diferente da que conhecemos até hoje. É muito desafiador fazer parte deste momento da história.

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O Estado – Como é governar Porto Murtinho em um momento que a cidade é vista como estratégica, inclusive para o futuro da economia de Mato Grosso do Sul? Três Lagoas chegou a viver algo parecido neste século, e, com o desenvolvimento, a alta populacional e os investimentos privados, vieram junto diversos problemas sociais e estruturais para o Poder Público enfrentar. Dá para negociar com o progresso ou isso seria frear essa revolução?                                                                                                                                                                                      Delevatti – Ao lado da grande expectativa positiva do que vem por aí, tem junto muita preocupação. Acho que é dever do Poder Público se preocupar, porque só assim é possível iniciar com antecedência ações que preparem a cidade para essa nova etapa. A gente não pode inibir o crescimento, mas não pode deixar que tudo ocorra de forma desordenada. Então, é por esse equilíbrio que a Prefeitura de Porto Murtinho tem trabalhado todos os dias. E cada dia tem sido único neste processo. Porque toda hora há novidade, anúncio de investimentos de grupos do Brasil, do exterior. De um porto em operação, há alguns anos, vamos para, provavelmente, seis. Tem a ponte da Rota Bioceânica, importantíssima e de responsabilidade da Itaipu, mas, além dela, teremos também a alça que sairá da BR-267 até a altura da ponte. Uma licitação anunciada recentemente. A verdade é que o desenvolvimento está chegando, não só para a nossa Porto Murtinho. Em Carmello Peralta, que faz fronteira conosco, já existe uma população de imigrantes bem considerável, por conta da Rota Bioceânica. O projeto impacta no Brasil, Paraguai, na Argentina e no Chile. Como a população nativa irá se adaptar a esse novo momento? Claro que o que ocorre agora no lado paraguaio, ou o que Três Lagoas viveu, nos servem de referência. Para evitarmos problemas que não existem hoje, só que ocorrerão amanhã se não nos atentarmos.

O Estado – E como a sociedade local pode ajudar nesse desafio?
Delevatti – Ela é um fator essencial nessa transformação. Por isso temos dado toda importância ao Plano Diretor. E isso ocorre porque na construção desse documento temos a chance de envolver a sociedade nisso. Este aliás é um debate que chegou ao nível acadêmico. Universidades desses quatro países já começaram a estudar, e, por que não, prospectar, quais os efeitos da Rota Bioceânica para cidades como Porto Murtinho. A história está acontecendo!

Qual a resposta da política perante o desenvolvimento?

Para o atual gestor de Porto Murtinho, a chave é a de uma organização que pense o futuro, para que transformações de hoje não gerem, junto com os avanços da economia, uma gama de problemas ambientais e sociais. Para Derlei Delevatti, o desafio da cidade, que é a “última guardiã do Pantanal”, passa justamente por esta questão. Prefeito, mas com mentalidade da “iniciativa privada”, esse gaúcho de 56 anos não perde tempo, não segue a morosidade tão comum ao setor público no Brasil, e nem poderia ser diferente ao ajustar o município para – o que ele mesmo chama de – uma “nova era”.
Delevatti é talvez o prefeito com maior pressão em Mato Grosso do Sul no atual momento, o que o torna, nessa função, aquele com maior obrigatoriedade de ser preponderantemente técnico, em detrimento da política. Graças à Rota Bioceânica se tornando algo real, a cidade deve duplicar nos próximos dez anos a sua população, bem como o seu PIB (Produto Interno Bruto), além de encarar, finalmente, os desafios de valorizar o turismo.
“Vale lembrar que Porto Murtinho tem o pôr do sol mais bonito do Estado. Foi uma das coisas que mais me impressionaram quando conheci o município. E é um comentário que sempre escuto até hoje, quando alguém novo nos visita”, fala Delevatti, que trabalha para que o progresso não comprometa a beleza da cidade localizada a 377 quilômetros de Campo Grande. Um ativo decisivo ao turismo local.
O prefeito ressalta ainda que, para os próximos anos, há a certeza de mudanças, e que a atividade de transformação é tão intensa que torna impossível o planejamento ser cirúrgico. “É como se tivessem descoberto Porto Murtinho. Não dá para prever, apenas estruturar. E com celeridade”, cita.

(Texto: Danilo Galvão)

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